sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Carnaval carioca

Segunda-feira de manhã mais um dia normal de trabalho no quente Rio de Janeiro, Seu Alaor Teixeira desperta as 6 e 20 da manhã, e ainda profundamente abalado com o péssimo resultado de seu time no clássico diante do Vasco, históricos 6x0 sofridos dentro do Engenhão, ruma a passos largos para o ponto de ônibus.

O baixinho, gordinho e careca, cidadão carioca, tenta passar despercebido pela banca de jornais do Carlinhos, vascaino doente que nas primeiras horas do dia, enquanto arruma sua banca com os jornais recém chegados da gráfica, já ostenta sua surrada camisa de Roberto Dinâmite – vide que a banca de jornais está a menos de 30 passos da religiosa parada do ônibus de Alaor. “Ô Alaor, ô Alaor!”, dois gritos e nada do botafoguense olhar. Mais dois gritos e aí sim uma rapida olhada de canto de olho. “Hahaha! 6x0 foi f… mermão!”, disse o jornaleiro em bom “carioquês”.

Durante todo o percurso do lotado coletivo rumo ao centro da cidade Seu Alaor lembrava e, ao mesmo tempo, tentava esquecer sua trágica jornada esportiva do domingo. A cada esquina dobrada pelo ônibus ele avistava uma camisa do Vasco, e consequentemente se lembrava dos gols feitos por Dodô, em cada freada dada pelo motorista vinham a memória os dribles de Carlos Alberto e Felipe Coutinho, a cada parada e descida de pessoas nos pontos ele voltava a ver o semblante de desânimo e impotência dos jogadores de seu time. Sem dúvida o tempo e o dinheiro gastos no final de semana com seu time do coração haviam sido um completo desperdício.

“Como pode?”, o descredito era total. Na sequência a raiva lhe subiu a cabeça, um surto acompanhado de um grito: “Time de m…!”, juntamente com um tapa no balaústre. O ônibus freou bruscamente e tudo ficou em silêncio. Por sorte era exatamente o ponto de Seu Alaor.

Como quem não quer nada o homem desceu tentando fingir que não havia sido ele o autor daquele grito, mesmo sabendo que as pessoas ao seu redor até haviam se assustado. Caminhou duas das seis quadras do trajeto, e como niguém por alí o conhecia, sentiu-se confortável para dar uma olhada nas manchetes dos jornais. Fotos e a festa do time cruzmaltino na goleada, se misturavam a outras fotos de Adriano e Vagner Love em mais uma vitória do Flamengo. “E ainda mais essa, Império do Amor…”.

As remotas lembranças de seu falecido pai falando da mágica de Garrincha, na tenra infância, os gols de Jairzinho nos anos 70 e, até mesmo, os de Túlio Maravilha na década de 90, lhe encheram o coração de saudade e tristeza. Seu Alaor, homem por volta dos 50 anos, mais uma vez ficou p… da vida, agora ao escutar o comentario de um garoto flamenguista sobre o seu fogão. A derrota para o Vasco doía, e muito, no entanto de quem o botafoguense queria arrancar o pescoço era do flamenguista – alias, dos flamenguistas. “Três vices campeonatos é demais pra mim…”.

Naquele dia o homem foi mais algumas vezes sacaneado por seus amigos e colegas, alguns com bom humor e outros apenas na base da humilhação. Faz parte do futebol, e Alaor sabia.

Assim seguiu mais uma semana, e outra, e outra. Já nem se falava mais tanto da goleada por 6x0, e sim, os jornais e a televisão, faziam todo o “oba-oba”, um verdadeiro carnaval, em cima do “Império do Amor”, de campanha impecável no primeiro turno carioca. Quis o destino, e a chegada de Joel Santana ao Botafogo, que o time de Seu Alaor enfrentasse Adriano e Love – sem contar Pet, o goleio Bruno, e todo o bom elenco campeão nacional - na semifinal do primeiro turno carioca, no último dia do feriadão do carnaval.

Entretanto o ânimo era outro, tanto do time como do torcedor alvi-negro, mas mesmo no dia do jogão Alaor se deparou com mais algumas piadinhas e comentarios de mau gosto. Contudo, os badalados, e baladeiros carnavalescos, Adriano e Vagner Love, bem que tentaram, mas parece que na quarta-feira de cinzas a farra dos dias anteriores fez a bola não entrar no gol botafoguense de Seu Alaor. Inesperados 2x1 para o fogão, na raça com dois golzinhos chorados.

Já na quinta-feira, ou melhor, a meia-noite e quinze do dia 18 de fevereiro enquanto a torcida lavava a alma e cantava dentro do Maracanã, sorrindo, rindo e abraçando seus amigos e irmãos alvi-negros – e também lembrando de todos aqueles que o sacanearam -, Seu Alaor proferiu as seguintes palavras: “Todo carnaval tem seu fim!”.